O presidente do Supremo Tribunal Federal do Brasil, ministro Luís Roberto Barroso, considera que a possibilidade da redução do estoque de execuções fiscais pendentes em relação as dívidas de baixo valor é de suma prioridade durante a sua gestão.
Professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito pela Yale Law School e Senior Fellow na Harvard Kennedy School, Barroso conversou com a Revista Cartórios com Você e falou sobre a nova norma do Conselho Nacional de Justiça, além de enaltecer a utilização do instrumento do Protesto de Títulos.
Segundo ele, “os Cartórios têm um grande potencial de contribuição para o desafogamento do Judiciário”.
CcV - O Conselho Nacional de Justiça aprovou, por unanimidade, regras para extinção das execuções fiscais com valor de até R$ 10 mil sem movimentação útil há mais de um ano, desde que não tenham sido encontrados bens penhoráveis, citado ou não o executado. Qual a importância dessa decisão?
Min. Barroso - A Resolução CNJ 547/2024 é fundamental para a eficiência do Poder Judiciário no Brasil. Segundo o último relatório Justiça em Números, as execuções fiscais representam mais de um terço (34%) de todos os cerca de 80 milhões de processos judiciais pendentes no País. Trata-se de processos com baixíssima efetividade, que recuperam apenas cerca de 2% dos valores cobrados, com tempo médio de tramitação de 6 anos e 7 meses até a baixa, e que têm uma taxa de congestionamento de 88%. Ou seja, a cada 100 execuções fiscais que ingressam no Judiciário em um determinado ano, apenas 12 são baixadas neste mesmo ano, enquanto 88 permanecem pendentes para o ano seguinte. Na imensa maioria dos casos, as execuções ficam paralisadas porque não se encontram bens penhoráveis ou o próprio devedor, e o tempo que se aguarda até a dívida prescrever se transforma em custo e em estatística ruim para o Poder Judiciário. A Resolução do CNJ tem o objetivo de atacar esse estoque de processos infrutíferos,
de modo a reduzir custos e liberar a mão-de-obra do sistema de justiça para outros processos pendentes.
CcV - Essas regras são fruto do entendimento do STF de que é legitima a extinção de execuções fiscais de baixo valor? O uso de alternativas extrajudiciais, como o Protesto de títulos e conciliação, ganha destaque e a medida representa um avanço significativo na busca por soluções que reduzam o estoque de execuções fiscais pendentes?
Min. Barroso - A Resolução do CNJ se baseia na decisão proferida pelo STF no tema 1184 da repercussão geral. O julgamento não apenas autorizou a extinção de execuções de baixo valor, mas também previu a obrigatoriedade do Protesto das Certidões de Dívida, salvo nos casos em que a medida seja ineficiente. Tais providências têm grande potencial para reduzir o estoque de execuções pendentes e aumentar a arrecadação das Fazendas Públicas.
CcV - As execuções fiscais arrecadam menos de 2% dos valores cobrados, mas o Protesto prévio de títulos arrecada mais de 20%. Como avalia a relevância do instrumento do Protesto para a recuperação de dívidas de baixo valor?
Min. Barroso - Os percentuais citados foram constatados em estudo produzido pelo Núcleo de Processos Estruturais e Complexos do STF, a meu pedido, e foram citados no julgamento do tema 1184. Esses índices apenas confirmam a ineficiência do modelo de cobrança via execução fiscal e a maior efetividade do Protesto das Certidões de Dívida Ativa. No que se refere a dívidas de baixo valor, o Protesto tende a ser a medida mais racional, inclusive porque o custo de tramitação da execução fiscal para o Judiciário muitas vezes supera o próprio valor cobrado. Mas o Protesto também pode ser usado para dívidas de maior valor, o que tem sido feito com relativo sucesso pela Procuradoria da Fazenda Nacional e algumas Procuradorias estaduais e municipais.
CcV - Qual o impacto dessa medida na redução da quantidade de execuções fiscais e na eficiência do Judiciário?
Min. Barroso - O Conselho Nacional de Justiça fez um levantamento, também a meu pedido, e concluiu que pouco mais da metade (52,3%) de uma amostra de 6 milhões de execuções fiscais tem valor de ajuizamento inferior a R$ 10 mil. Esses dados também foram citados no julgamento do tema 1184 e na Resolução CNJ 547/2024. Considerando que temos cerca de 28 milhões de execuções fiscais no estoque, a medida pode impactar uma quantidade muito expressiva de processos, algo como cerca de 15 milhões de execuções.
CcV - O capítulo V da Lei 14.711 - Marco Legal das Garantias - fala da solução negocial prévia ao Protesto e das medidas de incentivo à renegociação de dívidas protestadas. Essa seria uma forma de fortalecer o trabalho de soluções que antecedem ao Protesto?
Min. Barroso - Sem dúvida. A ampliação dos espaços de solução consensual é uma medida bem-vinda e os Cartórios têm um grande potencial de contribuição para o desafogamento do Judiciário.
CcV - Na ocasião do julgamento do STF, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, através da procuradora Anelize Lenzi Ruas de Almeida, disse que “a exigência do crédito público envolve uma gama enorme de variáveis e eles sustentam o Estado brasileiro”. Qual a real necessidade de se recuperar créditos para o Estado brasileiro atualmente? Essa é a chave para fomentar políticas públicas de sucesso?
Min. Barroso - A arrecadação é uma medida vital para a sustentação do Estado e a implementação de políticas públicas muito necessárias num contexto de grande desigualdade social como o brasileiro. Somente a União tem um estoque de Dívida Ativa que totaliza cerca de R$ 2,5 trilhões, dos quais cerca de R$ 2 trilhões são considerados irrecuperáveis. Os cerca de R$ 500 bilhões restantes, uma vez recuperados, fariam significativa diferença
ao País. Nos planos estadual e municipal, a importância da recuperação de créditos é ainda maior, dado a difícil situação orçamentária em que muitos entes se encontram.
CcV - De uma forma geral, como enxerga o trabalho dos Cartórios de Protesto?
Min. Barroso - De forma muito positiva, com potencial ainda maior de contribuição para a melhoria do ambiente de negócios, da eficiência do Poder Judiciário e do desenvolvimento do País, especialmente com a exigência de prévio Protesto das Certidões de Dívida Ativa.
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